Fotografia do perfil de Associação Conversa Amiga ACA Associação Conversa Amiga

A Associação Conversa Amiga (ACA) é uma Instituição de Solidariedade sem fins lucrativos,
que actua em contexto de solidão e exclusão humana.
ASSOCIAÇÃO CONVERSA AMIGA / NIPC 508047897 / DR n.º113 - II série de 14 Junho 2007

A palavra como meio de solidariedade
________________________________________________________________________________________________________________

Blogue da iniciativa de José Carlos Mendes, colaborador da A.C.A. e com autorização da Associação
__________________________________________________________________________________________________________________________________

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Conversa Amiga para ajudar humanamente


Uma forma simples de ajudar

Apenas ir ter com as pessoas 
que estão sozinhas

A Associação Conversa Amiga (ACA) tem como missão oficial «Diminuir o sentimento de solidão e exclusão pelo isolamento humano em pessoas e grupos fragilizados». Simples de enunciar? Sem dúvida. Simples de implementar? Vamos saber mais um pouco nesta entrevista.
Duarte Paiva, mestre em Arquitectura, é o Presidente da Direcção da Associação e foi seu fundador há sete anos. Este responsável é também gestor de voluntariado e assume o papel de formador de voluntários da Associação.
O nosso entrevistado vai esclarecer quais os objectivos da ACA, quais os resultados da intervenção desta instituição na Cidade de Lisboa e também que futuro antevê para cada um dos projectos em marcha.


Para tanto, fomos à conversa com Duarte Paiva.


   Arq. Duarte Paiva


Entrevista

Têm sido sete anos cheios de alegrias ou de tristezas, estes da vida da Associação Conversa Amiga?

O balanço é positivo. Ou seja, mais alegrias. O que conta é se no final do dia nos sentimos bem com o que fazemos, e têm sido mais os “fins-de-dia” com bom sentimento. Tenho tido também tristezas, mas normalmente não passo muito tempo a pensar nelas. É preciso aprender com elas e continuar. As situações mais complicadas são quando tudo o que faço não chega para ajudar ou não foi suficientemente bom para conseguir um melhor resultado. Ou quando não sei fazer melhor. O passo seguinte é então aprender a fazer melhor na próxima vez e assim evoluir. Muitas vezes outras instituições parceiras ajudam-me nesse processo de aprendizagem. As alegrias são os agradecimentos genuínos de quem recebe o muito pouco que tenho para dar. Uma outra coisa que me enche de alegria é olhar para estes quase sete anos e ver que evoluímos em quantidade mas, e mais importante, em qualidade. Tenho o maior orgulho nas pessoas que estão comigo na ACA, particularmente os voluntários e os coordenadores. São pessoas de tal forma excelentes que por vezes nem sei como lhes agradecer. Grande parte do meu trabalho na ACA é para que eles tenham as melhores condições possíveis. As que não tinha quando, há quase sete anos, quando comecei esta caminhada.


Combater a solidão

Criaram a instituição com que objectivos? Já atingiram algo de palpável com a vossa permanente insistência neste modelo de intervenção?

Os objectivos são simples: combater a solidão e o isolamento humano. Nada “de mais”. Como é que se faz e se torna palpável? Não direi nada de novo se afirmar que há pessoas sozinhas e que isso pode ser motivo de grande sofrimento para essas pessoas. Também não direi nada de muito novo se afirmar que a solidão afecta tanto os velhos como os novos, os pobres como os ricos. Um idoso num quinto andar em Lisboa sozinho, sem visitas, sem uma ida ao médico, sem quem lhe dê atenção e se preocupe com ele, parece-nos dramático e injusto. Tal como uma criança num contexto mais desfavorecido onde as oportunidades e opções da diversidade da vida em sociedade estão mais longe do seu alcance. Portanto ocorre o isolamento. Um estudante universitário que chega a uma cidade nova, que não conhece nada nem ninguém, está sozinho. Muitos estudantes sofrem com solidão e isolamento. Outras pessoas também sofrem com o isolamento. Pessoas de “meia-idade”, jovens, pessoas “bem na vida”, pessoas que perderam familiares, etc. No fundo tentamos ligar “pessoas a pessoas” promovendo melhores momentos pela conversa e companhia. Conversar, que é aquilo que muitos de nós gostamos de fazer, é um dos melhores meios de bem-estar e anti-exclusão que podemos ter. Temos voluntários que visitam pessoas em situação de exclusão humana e carências diversas. Pessoas sem-abrigo, pessoas idosas, temos voluntários que acompanham crianças sozinhas e em contexto de pobreza. Com isto vamos também desenvolvendo outras iniciativas e formas de ajudar de forma mais personalizada. Temos os “cacifos solidários” que vêm responder a uma necessidade extrema das pessoas que estão em situação de rua. Temos um banco de medicamentos que dá apoio a muitas pessoas em carência. Desenvolvemos também modelos e formação para voluntários e gestão de voluntariado.



Há apoios estatais ou institucionais suficientes para atingirem a vossa meta?

Só este ano é que solicitamos apoio financeiro público. Antes, nunca tínhamos solicitado. Pensamos que só devemos pedir quando temos realmente algo a mostrar. “Trabalho feito”. E felizmente já temos. Todos os nossos meios financeiros provêm de receitas próprias – sócios, doações e do trabalho de cada voluntário. Neste momento, já recebemos apoio da CML na cedência de espaço para a sede da ACA que infelizmente precisa de muitas obras (cerca de 14.000€). Recebemos financiamento para o projecto “cacifos solidários” e aguardamos a resposta para um segundo projecto que levará mais de 6.500 visitas/ano de médicos e enfermeiros a pessoas idosas em Lisboa. Se assim for aprovado pela CML. Para além disso, nada mais. Os apoios estatais parecem-me insuficientes bem como complicados de obter. Somos da opinião que as associações têm que desenvolver formas de auto-sustentabilidade e depender menos desses apoios. E isso é possível pois já o estamos a fazer. Mas a ideia de que todos os projectos, iniciativas e associações vão ser completamente auto-sustentáveis é, pelo menos para já, irrealista. No campo social, há coisas que, por si só, não são sustentáveis, mas são necessárias. E o sector público tem que apoiar pois, por vezes, as associações estão a cumprir funções do próprio Estado. As empresas têm também que apoiar. Apoiar projectos, associações e iniciativas. O sector privado deve ser um grande responsável no apoio social. O Estado deve criar mais e melhores incentivos para que também o privado apoie muito mais as associações sem-fins lucrativos.


Voluntários: mais de 
oito mil horas este ano

Forneça alguns números ao leitor: quantos voluntários, quantos beneficiários, que verbas investidas, que verbas e outros apoios recolhidos… conte-nos tudo. Quanto ganha cada voluntário, que benefícios para os dirigentes – para esclarecer quem não saiba e queira saber…

Neste momento, somos cerca de 70 voluntários regulares na ACA (cerca de 4.200 voluntários envolvidos em actividades neste ano na ACA). São mais de 8.000 horas de voluntariado, no corrente ano. No que respeita a pessoas que beneficiam de algum tipo de contacto e ajuda da ACA, são cerca de 6.100 pessoas/ano. Temos mais de 600 actividades/ano (entre actividades dos projectos e formações). Em 2007 tínhamos cerca de 20 actividades/ano. Temos 14 parceiros pois funcionar em parceria é muito importante para nós. Aprendemos mais e expandimos as nossas acções com redução de recursos. Até ao momento ninguém “ganha nada na ACA”. Ou seja, somos todos voluntários. Os órgãos sociais não são remunerados. O único benefício que podem ter são ajudas em despesas que sejam resultantes directamente da actividade que desempenham. Neste momento, estamos a tentar avançar na profissionalização pois se é certo que o voluntariado é a base e marca da ACA, também é certo que algumas funções exigem profissionais. Senão, seria perverso estar a prestar um serviço e a retirar o emprego a pessoas que devem ser remuneradas. A própria lei geral do voluntariado é muito clara em proibir este tipo de situação. No que respeita a receitas e despesas, não há muito a dizer. Este ano prevemos ter como gastos cerca de 20.000€ e ter receitas na mesma ordem. É muito insuficiente para tudo o que fazemos e para onde queremos ir. Coisas tão simples como ter computadores suficientes e decentes para trabalhar ou «toneres» para a impressora são problemas de cada dia. Para já não referir as obras da nossa sede. É uma luta! Seja como for, é um crescimento na ordem dos 2500%, referente a 2007, altura em que tinha que pagar muitas contas da ACA com a minha bolsa de estudo.

Com que parceiros principais podem contar?

Temos dois tipos de parceiros: os que nos dão algum tipo de apoio e os que somos nós que apoiamos. Temos a CML, por exemplo, que nos apoia com o espaço e financiou os cacifos. Esperamos também que nos ajude em mais alguns pontos. Temos alguma ajuda em material médico pela 3M, a Talenter para pessoas que precisam de emprego, ou alguns centros de saúde com os quais temos protocolos para facilitar o acesso aos cuidados de saúde primários a pessoas sem-abrigo. Pontualmente, também já tivemos, na realização de “pequenos sonhos” das crianças acompanhadas pelo Rumos, o apoio da Mcdonalds, da Kidzania e do Montepio. Temos a UpSkills que nos apoia com salas de formação/espaço e agora ganhámos um financiamento da Gulbenkian para prestar formação gratuita a ONGs e associações nacionais durante 2014. A KPMG também nos apoiou pontualmente. Temos parceiros aos quais nós prestamos algum tipo de apoio – como na cedência de medicamentos para crianças ou idosos acompanhados por esses parceiros, bem como assistência médica ou formação. Temos também parcerias informais com outras associações como o Serve The City ou a Comunidade Vida e Paz: sempre que precisamos ou eles precisam, colaboramos. Mais recentemente, com a Escola Patrício Prazeres e a Associação de Pais desse mesmo agrupamento, implementámos um ATL. Temos ainda muitos parceiros informais que “aqui e ali” dão algum tipo de apoio e não querem ser divulgados. São fundamentais estes esforços conjuntos, os quais muito agradecemos.


Criar relações de ajuda

Julgo saber que o vosso método de abordagem da problemática do sem-abrigo é muito específico: não fornecem comida nem roupas: fornecem apoio e calor humano, abordam as pessoas não pelo vosso prisma de visão do mundo mas sim pelo lado humano da própria pessoa a quem pretendem ajudar… É assim?

Foi de facto o contexto de rua e as pessoas sem-abrigo que nos deram os impulsos para aquilo que a ACA é hoje. A primeira abordagem foi a de querer ajudar pessoas sem-abrigo e para isso levámos roupa e comida. Mas isso aconteceu só uma vez pois o que sucedeu foi que acabámos todos (os voluntários e as pessoas sem-abrigo) na conversa. A roupa e comida não foram assim tão valorizadas como inicialmente pensámos que seria. Portanto foi decidido que a nossa actuação seria na conversa, companhia e no ajudar em pequenas coisas deixando a alimentação para quem já o faz e bem. Ao conversar, nós somos obrigados a ouvir. Ao fazê-lo, podemos aprender e perceber então o que as pessoas mais valorizam. Ou seja, o que elas acham que é o mais importante para elas naquele momento, em vez de termos nós já uma solução prévia e estática. Uma relação humanamente rica e saudável é um passo de gigante para se ajudar seja quem for. E, na verdade, o que pretendemos com isto é criar “relações de ajuda” e não apenas tentar ajudar. As relações são coisas mais duradouras, mais fiáveis, e, com o tempo, fazem com que quem está na posição de receber a ajuda esteja mais disponível, mais permeável a sugestões. Isto porque criámos já uma relação baseada na confiança, na empatia e em atitudes mais positivas. Não acontece de um dia para o outro. Leva tempo. Mas não faz mal, pois o que mais temos para dar é o nosso tempo. Com isso acontecem pequenos “milagres”.



Projectos de solidários e de Saúde

Quais os projectos que a ACA mantém actualmente «no ar» em Lisboa? De caminho perguntaria já se há condições ou perspectivas para alargarem a geografia da vossa intervenção.

Em Lisboa temos vários projectos a decorrer: “Um Sem-Abrigo, Um Amigo” que inclui ainda “Vertente Saúde na Rua”. Temos o projecto “Rumos”, o projecto “Saúde à Porta”, o projecto “Conversas de Saúde”, o projecto-piloto “Cacifos Solidários”, o ATL e temos um Banco de Medicamentos.
Estamos ainda a desenvolver novos projectos e estamos à procura de conseguir uma «scooter» para facilitar a entrega de medicamentos e uma viatura de apoio aos projectos pois não temos. Para além dos projectos, temos ainda um conjunto de formações na área do voluntariado, desenvolvimento pessoal e outras de interesse geral. Os voluntários ACA têm um conjunto de três a quatro formações para a sua actividade. Damos ainda formação em Coordenação e Gestão de Voluntariado.
Pensamos que está na hora de começar a sair de Lisboa.
Só ainda não estamos noutras cidades pois são necessários recursos para tal e, mais importante, temos que o fazer com qualidade. Não queremos apenas uma “ACA” no Porto ou em Coimbra. Queremos que as cidades e localidades que tenham os nossos projectos possam tê-los com a melhor qualidade e empenho possíveis. O projecto dos “Cacifos Solidários” poderá ser um dos que vão para outras cidades. Vamos procurar parceiros e apoios para que tal aconteça.


Fotos das filhas no cacifo...

Os agora célebres cacifos que o arquitecto Duarte Paiva inventou em boa hora como funcionam e servem para quê?

Este é o mais recente “bebé” da ACA e que já foi responsável por fortes sorrisos e agradecimentos genuínos das pessoas que receberam a chave do seu pequeno espaço. É um projecto que deu muito trabalho pois foi todo ele desenvolvido de raiz na ACA – desde a concepção e «design» dos equipamentos até ao próprio projecto – que tem um «princípio- meio-e-fim» e não é apenas “uns cacifos na rua”. Como não temos outras referências sobre algo do género, tivemos que pensar e repensar tudo para que o piloto possa correr o melhor possível. Tivemos o apoio financeiro e o incentivo da CML e o excelente trabalho da empresa Cabena que manifestou muita dedicação na produção dos equipamentos. Estes cacifos servem para que as pessoas sem-abrigo tenham um local seguro e digno para guardar os seus pertences. E isto é de tal forma importante que o primeiro «item» guardado foram duas fotos das duas filhas da pessoa que recebeu o cacifo. Este projecto não resolve o problema dos “sem-abrigo”. Para resolver este problema temos que ir às causas que são estruturais, ligadas à pobreza e exclusão social que se verificam em Portugal e em muitos países da Europa e do mundo. Mas não olhar para as pessoas que estão na rua e ignorar o tempo que lá estão, ignorar as suas pequenas necessidades, não nos parece aceitável. Neste sentido nasce este projecto. Além de que os cacifos permitem acompanhar de forma mais regular e permanente estas pessoas. Sabermos de forma mais clara “onde estão”, “quem são” e “quantas são” é fundamental para se ajudar. Este projecto vai-nos também dar informações e dados que desconhecemos pois, sendo ele inovador, vai ter resultados inesperados. E dar uma chave e um espaço, é dar um degrau que levará certamente a pessoa a melhores caminhos. Agora queremos testar este «piloto» para que em 2014 seja apresentada uma proposta e plano integrado de expansão deste projecto, o qual pretendemos implementar e gerir. Vamos também procurar apresentar este projecto noutras cidades nacionais pois a relevância desta iniciativa deve ser mostrada noutras localidades. O projecto ficou ainda, cerca de 1.000€ a menos do orçamento previsto (previsto 12.600€ /final 11.685€). Na realidade o projecto ficaria muito mais oneroso do que o valor apresentado se a ACA não absorvesse no voluntariado e na sua gestão corrente a restante parte que, no mínimo, duplicaria o custo do projecto-piloto. Ou seja, todo o trabalho técnico, implementação, gestão e até pequenos custos directos e indirectos, foram integrados no funcionamento da ACA e no seu voluntariado. Senão, em vez de 11.000€ seriam cerca de 20.000€.


Funcionam também vários projectos 
com crianças e idosos

Há, segundo creio, um programa de intervenção junto de pessoas idosas e outro de apoio a crianças. Em que termos se desenrolam estes programas?

Sim. Temos de momento dois projectos junto de idosos e um projecto junto de crianças em contexto desfavorecido. Além disso, temos ainda um ATL que, não sendo completamente numa vertente de carência económica, detém também essa vertente.
Com as crianças, o projecto “Rumos”, leva a companhia de voluntários a crianças em contexto desfavorecido. São uma espécie de “irmão mais velho” que, livre de julgamentos e apenas para ser um amigo, lá está todas as semanas. Com isto é possível ainda dar apoio escolar e levar ao bairro actividades a que essas crianças normalmente não têm acesso, como ioga para crianças, música, artes plásticas, etc.. No fim de alguns meses, vemos as alterações positivas de comportamento das crianças. Quem coordena este projecto é uma jovem recém-formada em jornalismo.
Com idosos temos dois projectos desenvolvidos e coordenados por um médico e uma médica. O projecto “Saúde à Porta” conta com médicos e enfermeiros e dá resposta a uma carência muito viva na cidade de Lisboa: acesso a saúde por parte de pessoas idosas em situação de isolamento e solidão. Este projecto começou porque outras associações que já actuam junto de idosos solicitaram apoio da nossa parte. E assim foi. Neste momento, podemos realizar cerca de 120 visitas/ano mas queremos passar para 6.500 visitas/ano. Mas precisamos de apoio financeiro. Há uma enorme necessidade de que isso aconteça na cidade de Lisboa. Há muitos casos dramáticos de idosos sem conversarem e serem vistos por um médico ou enfermeiro há anos! Pessoas com medicações sem serem revistas e já desadequadas, pessoas com dores crónicas facilmente resolvíveis, pessoas que precisam de um pequeno tratamento que não têm. E todos precisam de uma “conversa terapêutica” que tão bem lhes faz. Para além disso, ainda fornecemos medicamentos gratuitos aos idosos carenciados. O projecto “Conversas de Saúde” leva temas de saúde e bem-estar a pessoas idosas que estão em centros de dia ou outros locais de reunião. Este projecto tem sido de grande sucesso no bem-estar destas pessoas. Numa tarde e numa instituição, os voluntários levam uma pequena apresentação de um tema e ficam na conversa com as pessoas. Pode ser sobre “diabetes”, ou como “ser feliz sozinho” ou outro qualquer. Por vezes, os temas são sugeridos pelos próprios idosos. Os resultados são a “educação para a saúde”, já que recebem informação relevante para as suas vidas do dia-a-dia, mas também uma alteração positiva no seu dia. O que acontece é que estas pessoas, por terem elementos novos na sua tarde e uma conversa diferente, começam a interagir entre eles e a conversar sobre outras coisas que não apenas dos problemas diários das suas vidas (por vezes, pior, já nem conversam entre si). Quando os voluntários se vão embora, está um ambiente de vida, interacção e conversa entre todos, como já há muito estas pessoas não tinham!


Voluntários são jovens 
e, sobretudo, mulheres

Que tipo de voluntários têm no vosso mapa de actuação? Que formação recebem? Que futuro antevê para o voluntariado no País?

Os 70 voluntários regulares na ACA têm uma média de idades de 32 anos e a maior parte tem ensino superior (86%). São as mulheres que fazem mais voluntariado na ACA (67%). Temos todo o tipo de profissões e formações. Sejam médicos, enfermeiros ou professores, contabilistas, arquitectos, juristas, engenheiros, «designers», jornalistas, investigadores, reformados, estudantes, psicólogos, técnicos sociais ou pessoas com negócio próprio ou sem nenhuma especialidade. É algo muito rico e isso dá-nos várias perspectivas e ideias perante problemas. No que respeita à formação, a ACA aposta forte. Temos acções de formação gerais para os voluntários, bem como acções específicas dedicadas aos projectos. É um ponto sempre em desenvolvimento. Temos ainda formação e manuais para os coordenadores que gerem o voluntariado e projectos. O futuro do país, no que respeita ao voluntariado, será muito melhor e mais exigente. Os voluntários “de hoje” não são os “de ontem”, bem como o campo de actuação do voluntariado é muito mais amplo do que era há algumas décadas atrás. Hoje, temos pessoas mais bem preparadas e a querer ter um papel activo na sociedade. E o voluntariado é uma grande oportunidade de intervir no tipo de país e de sociedade que queremos. É certo que Portugal é um país de pessoas com vontade de ajudar, mas somos também um dos países na Europa em que as pessoas menos praticam voluntariado. Porém, isso está a mudar com as gerações mais novas. Além disso, gerir e coordenar voluntariado é complexo e exigente e não temos ainda em Portugal grande experiência nesse ponto. E há ainda a ideia de que o voluntariado é algo que se faz quando “se quer” e que não tem que haver grande compromisso nem exigência. Este ano escrevi um manual de gestão e coordenação de voluntariado, que em breve irei publicar, na expectativa de que Portugal tenha uma melhor gestão do seu voluntariado. Espero que os coordenadores e gestores de voluntariado (em particular os novos coordenadores) tenham algo que os ajude nessa tarefa. O que eu não tive há mais de sete anos. Neste momento, apenas procuramos apoio para a publicação.


Queremos mudar o que existe

O que é que move cada um de vocês? O que ganham com tanta dedicação a estas causas?

Esta é aquela pergunta em que a resposta é mais complicada. Poderia fazer uma lista de “motivações” e mesmo assim não responderia satisfatoriamente. Faço voluntariado desde os meus 14 anos, portanto há mais de 15 anos e não sei ainda responder a essa questão. Temos várias motivações que partem de opções de vida, de opções religiosas, ideologias ou simplesmente porque gostamos. A ACA reúne todo esse mundo de pessoas que pelas mais variadas razões se uniram em torno de uma causa, e isso tornou-se importante nas suas vidas. Algo que faz algum tipo de sentido para elas. Penso que a coisa que mais ganhamos é o crescimento pessoal que nos traz tudo aquilo que envolve o voluntariado. A mudança da nossa consciência, dos nossos preconceitos, ideias e julgamentos que persistem nas nossas mentes e atitudes, são revistos e reconsiderados quando estamos perante a realidade crua das situações que encontramos na nossa intervenção. É certo que “aqui e ali” se consegue realmente ajudar alguém a melhorar a sua vida, por pouco que seja. Mas é importante que, a longo prazo, pela actividade de voluntariado, ocorram mudanças em nós, enquanto pessoas – tornando-nos mais conscientes e sensíveis para o mundo que nos rodeia. Isso irá sem dúvida nenhuma mudar o mundo, tornando-o mais equilibrado, mais justo, eliminando as causas que levam às situações de sofrimento que hoje temos, e em que associações como a ACA e muitas outras são obrigadas a intervir. Não queremos perpetuar situações de miséria e carência, queremos mudar o que existe. E isso só irá acontecer se nos mudarmos a nós mesmos. Cada voluntário deve-se questionar sobre o porquê da existência das situações em que ele está pronto a intervir. As associações devem, por outro lado, ajudar o voluntário a encontrar essas respostas. Este, penso, é o caminho mais relevante do voluntariado.



Entrevista conduzida por 
José Carlos Mendes
Colaborador da A.C.A.


________________________________________________________________________________